2022-12-20

Regresso ao Éden

Paco Roca
Regreso al Edén (2020)
(trad. Carlos Xavier)


Regresso da editora Levoir às edições em parceria com o jornal Público, com mais uma novela gráfica de Paco Roca.
Conheci este autor com a publicação, em 2013, da obra "Rugas" pela Bertrand, que logo tanto me impressionou, e que também a Levoir reeditou este ano em Abril.
Esta nova banda desenhada conta a história da(s mulheres da) sua família, e é também uma sentida homenagem à sua mãe, Antónia.
E conta-a a partir de uma fotografia, enquanto fragmento da vida daqueles que nela fixou, e dos nela ausentes como sinal das relações tensas ou distantes. Mas também como a ilusão que a memória recriou em relação a tempos idos, e aos que morreram, e a importância que adquire por isso.
A capa é um manifesto: coloca-nos em contracampo em relação ao plano da fotografia, momentos antes de esta ser tirada, e no lugar da personagem em destaque, Antónia ela mesma, como que a convidar-nos para fazer parte daquelas memórias.
Mas esta obra é sobretudo uma reflexão sobre a memória e a fugacidade da vida, mote com que se abre (e se encerra) o livro, um fade in que começa com páginas a negro pontuadas com frases, para depois surgirem pontos de luz, que se torna num feixe e se transforma em fitas da banda desenhada, que crescem até tomarem a dimensão das páginas do livro, para darem lugar à história, e que assim é iniciada:

"Durante quanto tempo não existiu Antónia?
Iões de não existência.
Partículas que durante milhares de milhões de anos viajaram errantes pelo espaço convertem-se, pelo azar ou pelo destino, num corpo com consciência de si mesmo, com nome e apelido, com alegrias e tristezas e com medos e esperanças.
Esta união de partículas durará apenas noventa anos. Depois, um dia separar-se-ão de novo para voltar a errar pelo universo até ao final dos tempos.
Visto a partir da magnitude do cosmos a vida de Antónia não é mais que um fugaz lampejo no tempo.
Como Antónia, todos brilhamos um breve instante junto a outros lampejos sobre a negrura da não existência.
Por isso necessitamos saber que antes de nós houve outros.
Necessitamo-lo para nos sentirmos parte de algo maior e antigo a que chamamos antepassados, humanidade...
Além disso, confiamos em que no futuro haverá mais como nós e que perduraremos na sua memória.
Só então esses pequenos, breves e isolados flashes de luz se tornam um feixe de luz.
Mantemos uma luta constante contra o esquecimento, que tenta apagar o passado.
Mas a nossa memória é limitada e traiçoeira, por isso o engenho humano inventou formas de manter um instante no tempo.
Criámos o desenho e a escrita.
E também a fotografia, capaz de reter um lampejo de existência.

E fez-de luz"



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