As Flores do Bem (p.64)

Raphael Yudin As Flores do Bem (2022) "O vendedor de electrodomésticos seria dispensado. Despedido juntamente com outros quinze colegas. Camaradas de ofício. O mister de servir na vetusta actividade comercial possuía laços históricos e fraternos de camaradagem, mas os tempos desaconselhavam o uso de determinadas palavras. «Camarada» era excessivo, e muitas vezes ofensivo. De «camarada» a «comunista» era um passo de gigante para a humanidade reavivar alguns fantasmas nas suas práticas de sociabilidade laboral entre pares e hierarquias. «Colega» era mais apropriado, porque inócuo. «Colaborador» — respeitando sempre as hierarquias — era não só apropriado e inócuo, como serviçal. O «colaborador» não questiona nem contesta. Está sempre pronto a colaborar, independentemente das razões e circunstâncias. Independentemente de existirem o bem e o mal. Como «colaborar» só faz bem, mal nenhum poderia daí vir ao mundo. Tempos houve em que chamavam aos colaboradores que vêm ao mundo — que não questionam nem contestam — «colaboracionistas»."