Ernest Hemingway
For Whom the Bell Tolls
(1940)
(trad. Monteiro Lobato)
"- Tu já mataste alguém? - inquiriu Jordan animado pela intimidade que a escuridão favorecia e por um dia passado em comum.
- Sim, muitas vezes. Mas nunca me senti satisfeito. Para mim matar um homem é pecado. Mesmo quando são fascistas que é preciso matar. Eu, por mim, acho grandes diferenças entre um homem e um urso e não acredito nessa bruxaria dos ciganos a respeito da fraternidade com animais. Não, eu sou contrário à matança de homens.
- E, no entanto, mataste.
- Sim. E voltarei a matar. Mas se escapar com vida hei-de fazer o possível por viver de modo a não fazer mal a ninguém, a fim de ser perdoado.
- Por quem?
- Quem é que sabe? Desde que não há Deus, nem Filho, nem Espírito Santo, quem pode perdoar? Eu não sei.
- Então já não tens Deus?
- Não, homem. É certo que não. Se houvesse Deus ele nunca permitiria que se visse o que tenho visto com estes que a terra há-de comer. Podemos deixar-lhes o Deus.
- Eles reclamam-no.
- É claro que Ele me faz falta, pois fui educado com religião. Mas agora um homem tem que ser responsável por si.
- Nesse caso és tu que tens de perdoar-te pelas mortes feitas.
- Creio que sim - concordou Anselmo, - Já que pões a questão nesse ponto, parece-me que deve ser assim. Mas, com ou sem Deus, estou convencido de que matar é pecado. Para mim tirar a vida de outra pessoa é coisa de muita gravidade. Fá-lo-ei sempre que for necessário, mas não sou da raça de Pablo.
- Para vencer uma guerra é preciso matar os inimigos. Isto sempre foi uma verdade.
- Está claro. Na guerra temos de matar. Mas eu tenho ideias muito esquisitas - volveu Anselmo. Os dois continuaram a subir na escuridão, muito próximos um do outro; o velho falava mansamente voltando a cabeça de quando em vez.. - Eu não mataria nem um bispo. Não mataria qualquer espécie de proprietário. Obrigá-los-ia, sim, a trabalhar no campo, e nas montanhas diariamente, como nós trabalhamos e pelo resto das suas vidas. Então saberiam para que tinha nascido o homem. Teriam de dormir onde nós dormimos. Comer o que nós comemos. Mas antes de mais nada, teriam de trabalhar. Haviam de aprender.
- Deste modo sobreviveriam e voltariam a escravizar-te.
- Mas não é matando-os que eles aprenderão - respondeu Anselmo. - Tu não podes exterminá-los porque da semente nasceria ainda mais ódio. A prisão não adianta nada. A prisão só faz aumentar o ódio. E o que os nosso inimigos precisam é de aprender.
- Mas apesar disso tu mataste.
- Sim - respondeu Anselmo - Matei e voltarei a matar. Mas nunca por prazer e considerando isso um pecado."