2015-12-05

O Jogador (p.109)

Fédor Dostoievski
I Grok (1866)
(trad. Maria Georgina Segurado)


"Os olhos dela brilharam.
- O quê, tu mesmo queres que eu vá ter com o inglês? - disse ela, fuzilando-me com o olhar e esboçando um sorriso amargo. Pela primeira vez na vida, tratara-me por «tu».
Creio que naquele momento se deixara arrebatar pela emoção, pois sentou-se de repente no sofá, como se exausta.
Sentia-me como se me tivesse caído um raio em cima; fiquei ali sem querer acreditar no que vira e ouvira! Era possível? Ela amava-me! Viera ter comigo, e não com Mr. Astley! Ela, uma rapariga solteira, viera sozinha ao meu quarto, num hotel, o que queria dizer que se comprometera publicamente, e eu só conseguia ficar diante dela, especado.
(...)
Sim, às vezes a noção mais disparatada, a ideia aparentemente mais impossível, apoderam-se de tal forma da mente que com o tempo acaba por se tornar algo exequível... Mais do que isso: se a ideia coincide com um desejo forte e ardente, pode por vezes ser aceite como algo predestinado; inevitável, algo que só pode existir ou acontecer! Talvez haja uma razão para tal, alguma combinação de pressentimentos, alguma aplicação extraordinária da força de vontade, alguma auto-intoxicação da imaginação, ou algo mais, não sei: mas, naquela noite (que não esquecerei cem anos que viva), algo de milagroso me sucedeu. Apesar de ser perfeitamente demonstrável por intermédio de cálculos matemáticos, não obstante, mantém-se até hoje para mim como um acontecimento milagroso. E por que motivo, por que motivo era tão forte aquela convicção e estava tão arreigada em mim e há tanto tempo? Na verdade, costumava pensar nela, repito, não como um acontecimento entre outros que poderiam ter lugar (e consequentemente, poderiam também não ter lugar), mas como algo que não podia deixar de se registar!"

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