Haruki Murakami The Wind-Up Bird Chronicle (ねじまき鳥クロニクル Nejimakitori Kuronikuru) (1994) (trad. Maria João Lourenço)
"«Atingi então o clímax sexual. Mais do que alcançar o ponto culminante do prazer, tiva a sensação de ser atirada do alto de um rochedo. Gritei e senti que tudo o que era feito de vidro no quarto se quebrava. Não foi apenas uma impressão: vi realmente todas as janelas e todos os copos ficarem reduzidos a estilhaços, ao mesmo tempo que os pedaços se abatiam sobre mim. A seguir fui acometida por uma violenta náusea. Senti a minha consciência começar a abandonar-e e o meu corpo esfriou. Bem sei que isto pode parecer estranho, mas senti-me como se me tivesse transformado numa tigela de papas de aveia frias - espessas e cheias de grumos. E cada um desses grumos produzia em mim uma dor surda, enquanto se dilatava devagarinho ao sabor dos batimentos do meu coração. Recordava-me daquela dor: já passara por tudo aquilo. Pouco ou nada demorei a identificar aquela dor surda e funesta, incessante, que costumava ter e me deixava a arquejar antes da minha tentativa frustrada de suicídio. Como se fosse uma poderosa alavanca de ferro, essa dor fez saltar violentamente a tampa da minha consciência. E, uma vez destapada, independentemente da minha vontade, foi arrastando para fora recordações de consistência gelatinosa. Por mais estranho que possa parecer, sentia-me como uma pessoa morta a assistir à sua própria autópsia. Está a ver? A sensação de estar de fora a observar o próprio cadáver a ser aberto e, um a um, todos os órgãos internos a serem removidos das suas entranhas.
«(...) Na minha mente confusa, apercebi-me com profunda intensidade da minha solidão e da minha impotência. (...) Não sei ao certo quanto tempo aquilo durou. Tinha a sensação de que toda a minha memória e toda a minha consciência me tinham abandonado. Parecia que dentro de mim não restava mais nada. Depois, como um pesado cortinado que cai brutalmente, a escuridão envolveu-me de repente. «Quando recuperei a consciência, já era outra pessoa." |
2017-03-27
Crónica do Pássaro de Corda (p.316-317)
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