José Saramago As Intermitências da Morte (2005)
"(...) A morte hesita, não acaba de decidir-se pela presunção ou pela humildade, e, para desempatar, para tirar-se de dúvidas, entretém-se agora a observar o músico, esperando que a expressão da cara lhe revele o que está a faltar, ou talvez as mãos, as mãos são dois livros abertos, não pelas razões, supostas ou autênticas, da quiromancia, com as linhas do coração e da vida, da vida, meus senhores, ouviram bem, da vida, mas porque falam quando se abrem ou se fecham, quando acariciam ou golpeiam, quando enxugam uma lágrima ou disfarçam um sorriso, quando se pousam sobre um ombro ou acenam um adeus, quando trabalham, quando estão quietas, quando dormem, quando despertam, e então a morte, terminada a observação, concluiu que não é verdade que o antónimo da presunção seja a humildade, mesmo que o estejam jurando a pés juntos todos os dicionários do mundo, coitados dos dicionários, que têm de governar-se eles e governar-nos a nós com as palavras que existem, quando são tantas as que ainda faltam, por exemplo, essa que iria ser o contrário activo da presunção, porém em nenhum caso a rebaixada cabeça da humildade (...)"
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2014-07-22
As Intermitências da Morte (p.178)
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