2014-12-17

O Jogo das Contas de Vidro (p.353-354)

Hermann Hesse
Das Glasperlenspiel (1943)
(trad. Carlos Leite)


"E como, encandeado com as visões,
Do livro erguesse os olhos para descansar,
Vi que não era ali o único visitante.
Na sala estava um ancião contemplando
Os livros, talvez fosse o bibliotecário
Que eu via na diligência do seu trabalho,
Ocupado com os livros, e assaltar-me a curiosidade
De conhecer esse trabalho zeloso
E que sentido tinha. Este homem velho,
Assim o vi, com a mão engelhada e terna
Pegou num livro, leu o que na lombada
Estava escrito, sussurrou com os lábios pálidos
O título - um título entusiasmante,
Prometedor de preciosas horas de leitura! -
Apagou-o com os dedos, ao de leve,
Escreveu sorrindo um novo título,
Completamente diferente, e em seguida
Continuou a andar, tirando um livro aqui,
Outro mais além, apagando os títulos
E escrevendo outros.
Confuso observei-o longamente e voltei,
Já que a minha razão se recusava a entender,
Ao meu livro, onde pouco antes algumas linhas
Tinha lido; mas a sequência das imagens
Que me encantava, já não encontrei,
Perdera-se e pareceu-me afastar-se
O mundo simbólico onde mal penetrara
E que tratava tão ricamente do sentido do mundo;
Vacilava esse mundo, corria em círculo, parecia turvar-se,
E ao dissipar-se nada mais deixou de si
Do que o brilho pardacento do pergaminho vazio.
No ombro senti então uma mão,
Ergui os olhos e vi ao meu lado
O diligente velho e levantei-me. Sorrindo
Ele pegou no meu livro, um arrepio percorreu-me
Como um calafrio, e o seu dedo deslizou
Como uma esponja por cima dele; no couro limpo
Escreveu novo título, perguntas e promessas,
E numa bela caligrafia, desenhando as letras,
Uma a uma a sua pena deu às mais velhas perguntas
Novas respostas. Depois levou consigo silenciosamente
O livro e a pena."

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