2014-12-20

O Jogo das Contas de Vidro (p.374-375)

Hermann Hesse
Das Glasperlenspiel (1943)
(trad. Carlos Leite)


"(...) que o homem gosta mais de suportar males e uma aparência de expiação de que emendar ou simplesmente examinar o seu ser íntimo, que acredita mais facilmente na magia do que na razão, em fórmulas do que na experiência, tudo coisas que durante os poucos milhares de anos que se seguiram, não mudaram certamente tanto como muitos livros de história afirmam. Mas tinha também aprendido que um homem de pensamento, um homem que procura alguma coisa, não tem direito a perder o amor, tem de enfrentar os desejos e as loucuras dos outros, sem orgulho, mas também sem o direito de se deixar dominar por eles, que há só um passo entre o homem de sabedoria e o charlatão, o sacerdote e o malabarista, entre o irmão digno de socorro e o oportunista parasita, e que no fundo as pessoas preferem infinitamente pagar a um vigarista, deixar-se explorar por um vendedor de banha da cobra do que aceitar sem dispêndio um socorro generosamente oferecido. Não gostavam de pagar em confiança e amor, preferiam que fosse em dinheiro e em géneros. Enganavam-se mutuamente e estavam à espera que os enganassem. Teve de aprender a considerar o ser humano como uma criatura fraca, egoísta e cobarde, e dar também conta que ele próprio partilhava de todos esses defeitos e esses maus instintos. E no entanto foi-lhe concedido alimentar a sua alma com a fé de que o homem é também espírito e amor, que tem qualquer coisa em si que se opõe aos instintos e aspira a enobrecê-los. (...)"

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