2015-01-04

Blake e Mortimer: O Bastão de Licurgo

Yves Sente e André Juillard
Blake et Mortimer - Le Bâton de Plutarque (2014)
(trad. Sara Moreira)


O último livro de banda desenhada que li em 2014, oferta de Natal do meu mano mais velho (por sugestão minha ;-) ), em conjunto com o volume anterior da mesma colecção (ambos com capas da edição corrente).
Convém começar por dizer que a série Blake e Mortimer, de Edgar Pierre Jacobs é uma das (senão "a") minhas preferidas, pelos desenhos e pelos argumentos de ficção científica muito verosímeis e de um fôlego operático.
Quando começaram a surgir as histórias que continuaram a série depois da morte do autor original, uma das coisas que desde logo se perdeu foi esse carácter dos argumentos. Outra, de não menor importância, foi passar a ser uma série de "época" com a localização temporal nas décadas de meados do século XX, enquanto a série original sempre foi uma série contemporânea do tempo em que foi criada.
Mas, até aqui tudo bem, apesar de não serem tão boas como a obra original, eram ainda assim melhores que muito do que se vai fazendo por aí.
Esta nova aventura propõe-se ser a prequela de O Segredo do Espadão, o que nos proporciona a oportunidade de (re?)encontrarmos o Golden Rocket, visitarmos a base secreta de Scaw-Fell e nos é dado perceber como esta foi localizada para ser tão rapidamente destruída logo no início daquela aventura, ou ainda como foram os protagonistas habitar o apartamento de Park Lane e conheceram Mrs. Benson (embora a mim me pareça que seria antes por via do professor e não do capitão que eles lá teriam chegado...).
Também nos é permitido presenciar o momento em que Blake conhece Zhang Hasso e este é recrutado para agente sob o código ZH22, sacrificado nas primeiras páginas de O Segredo do Espadão, embora quanto a mim de um modo muito atabalhoado, pois parece que põem mais à prova o próprio capitão Blake para o admitirem nos serviços de espionagem, enquanto este revela um excesso de confiança e falta de cuidado na recruta daquele.
Mas onde me parece que se dá o maior atropelo à obra original é quando nos fazem testemunhar o primeiro encontro de Blake e Mortimer com Olrik (sem qualquer disfarce que fosse - expediente tão característico da personagem), e Blake volta a identificar a personagem mais adiante de relance e num instante. Se Blake tivesse ficado a conhecer Olrik deste modo que sentido faz o modo como este se introduz na base secreta perto do assalto final de O Segredo do Espadão?
Recordemos que Olrik, misturado entre prisioneiros salvos de um comboio que os transportava, é levado para a base secreta onde é recebido pelo capitão Blake, apenas com a barba por fazer e uma venda num olho, não sendo reconhecido.



Mais tarde, sabe-se que o transporte de prisioneiros não foi mais que um ardil para introduzir um espião na base secreta, deduzindo-se que este seria o próprio Olrik, ao que o capitão Blake pede a Nasir que lhe faça uma descrição daquele!



Posto isto, não posso deixar de passar um cartão vermelho ao argumentista Yves Sente, não percebendo como é possível que lhe seja permitido atraiçoar assim a obra original na qual se pendurou com pouca atenção.
Os desenhos de Juillard, com a elegância a que nos acostumaram, não chegam a ser espectaculares, revelando algum pouco à-vontade nos cenários mais "tecnológicos", e lembrando-me mais os desenhos de Jacques Martin para A Grande Ameaça, aventura de Lefranc, do que os de Jacobs (o que não deixa de ser irónico sabendo que este considerava Martin um mero imitador da sua obra...).

1 comentário:

Geraldes Lino disse...

Viva, Ricardo Cabrita

Gostei de visitar este seu blogue, onde você abarca os temas da sua predilecção e em que, obviamente, não poderia deixar de haver referências à BD, agora enquanto leitor e crítico, ao invés de autor, já com obra publicada e nome consolidado.

Quanto a sequelas e prequelas da notável obra criada por Edgar Pierre Jacob, confesso honestamente que lhes passo ao lado. Embora, claro, não resista a dar-lhes uma espreitadela, mas muito "a vol d'oiseau".

Compreendi perfeitamente o seu desagrado pelas incongruências que cita. Admito que não é fácil fazer reviver as personagens Blake, Mortimer, Olrik, que nos habituámos a admirar, pelo rigor de um autor simultaneamente exímio ilustrador e muito dotado ficcionista. É notoriamente tarefa ingrata, sujeita a desilusões dos apaixonados, a de ser retomada uma série tão notável.
Acabamos por dar razão a Hergé, ao não admitir que alguém voltasse a mexer no Tintin (o que, afinal, parece que talvez ainda venha a acontecer, à revelia da proibição do autor).
Com o Corto Maltese também já consta que irá reviver...
Os interesses comerciais a ultrapassar o valor das obras, eis a razão.
Voltarei aqui um dia desses.
Abraço.
GL