António Gedeão Obra Poética [Linhas de Força] (1967-2001)
"Poema dos passarinhos antigos
Era um par de jovens. Ela e ele. Ambos jovens. Alegremente cantavam as canções dos jovens e tinham orgulho em dançar as danças ruidosas dos jovens. Como jovens que eram riam-se das pessoas antigas por já não serem jovens, por não saberem dançar as suas danças de jovens, por não saberem cantar as suas canções de jovens. Mas num dia em que os seus olhos se encontraram de certo modo, sentiram nos seus corpos um estremecimento antigo. As células antigas dos seus corpos jovens estremeceram. As palavras de amor saíram-lhes da boca pressurosas e múltiplas, como as pequenas bolas de sabão quando num tubo estreito são sopradas. E juntamente com elas saíam passarinhos leves, passarinhos antigos, tão leves como as bolas de sabão, e os passarinhos iam debicar nos lábios de ambos, e os lábios intumesciam-se, vermelhos e macios como polpas, e os passarinhos roçavam a penugem do peito pelas pálpebras deles com os bicos alisando as sobrancelhas, e aninhavam-se entre a carne e a roupa batendo as asas num saber antigo. Quando acordaram e quiseram sacudir o pó do tempo ouviram o riso dos jovens que se riam das pessoas antigas, e alegremente cantavam as suas canções de jovens e tinham orgulho em dançar as danças ruidosas dos jovens." |
2015-07-03
Obra Poética (p.139)
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