2015-07-09

Obra Poética (p.191)

António Gedeão
Obra Poética [Novos Poemas Póstumos] (1990-2001)

"Poema de ser natural

Tranquilamente o Sol penetra no meu quarto.
Mas porque não havia o Sol de penetrar
no meu quarto,
se o caminho está livre e nada se lhe opõe?
Estranho seria que o Sol atravessasse
as paredes de pedra e de cimento
do meu quarto,
mas se o Sol atravessasse as paredes de pedra e de cimento
[do meu quarto,
já não seria estranho,
seria simplesmente natural.

É assim como o melro da porteira
que canta enquanto escrevo.
Mas porque não havia de cantar o melro da porteira
se é seu dever cantar?
Cumpre o melro o seu fado, e eu cumpro o meu.
Estranho seria, sim, que fosse eu a cantar,
e ele, o melro, a escrever com a ponta do bico.
Mas se o melro escrevesse com a ponta do bico
e eu cantasse,
já não seria estranho,
seria simplesmente natural.

Assim sou eu, o Sol, o melro, e tudo o mais.
Tudo, conforme é, é natural,
e para tudo isso os sábios fazem leis
e os crentes pasmam da obra do Senhor. "

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