António Gedeão Obra Poética [Novos Poemas Póstumos] (1990-2001)
"Poema do homem novo
Niels Armstrong pôs os pés na Lua e a Humanidade saudou nele o Homem Novo. No calendário da História sublinhou-se com espesso traço o memorável feito. Tudo nele era novo. Vestia quinze fatos sobrepostos. Primeiro, sobre a pele, cobrindo-o de alto a baixo, um colante poroso de rede tricotada para ventilação e temperatura próprias. Logo após, outros fatos, e outros e mais outros, catorze, no total, de película de nylon e borracha sintética. Envolvendo o conjunto, do tronco até aos pés, na cabeça e nos braços, confusíssima trama de canais para circulação dos fluidos necessários, da água e do oxigénio. A cobrir tudo, enfim, como um balão ao vento, um envólucro soprado de tela de alumínio. Capacete de rosca, de especial fibra de vidro, auscultadores e microfones, e, nas mãos penduradas, tentáculos programados, luvas com luz nos dedos. Numa cama de rede, pendurada da parede do módulo, na majestade augusta do silêncio, dormia o Homem Novo a caminho da Lua. Cá de longe, na Terra, num borborinho ansioso, bocas de espanto e olhos de humidade, todos se interpelavam e falavam, do Homem Novo, do Homem Novo, do Homem Novo. Sobre a Lua, Armstrong pôs finalmente os pés. Caminhava hesitante e cauteloso, pé aqui, pé ali, as pernas afastadas, os braços insuflados como balões pneumáticos, o tronco debruçado sobre o solo. Lá vai ele. Lá vai o Homem Novo medindo e calculando cada passo, puxando pelo corpo como bloco emperrado. Mais um passo. Mais outro. Num sobre-humano esforço levanta a mão sapuda e qualquer coisa nela. Com redobrado alento avança mais um passo, e a Humanidade inteira, com o coração pequeno e ressequido, viu, com os olhos que a terra há-de comer, o Homem Novo espetar, no chão poeirento da Lua, a bandeira
[da sua Pátria,
exactamente como faria o Homem Velho."
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2015-07-12
Obra Poética (p.212-213)
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