Miguel de Cervantes Saavedra D. Quixote de la Mancha (1615) (trad. Aquilino Ribeiro)
"(...) entre o agravo e a afronta há, como Vossa Excelência muito bem sabe, esta diferença: a afronta parte de quem a pode fazer, a faz e a sustenta; o agravo pode ter qualquer procedência, sem que afronte. Por exemplo: está um homem na rua, muito descuidado; chegam dez tipos com os seus cacetes e tratam de lhe cascar. Ele arrancou da espada e dispõe-se a cumprir o seu dever; mas a mó dos inimigos não lhe permite levar a desforra a bom fim. Este homem recebeu um agravo, mas não uma afronta. Outro exemplo, e este para confirmação: está um sujeito de costas voltadas; vem um por detrás e assenta-lhe duas pauladas. Depois de ter cometido o bonito feito, deita a fugir e escapa-se sem que o agredido o alcance. O que apanhou as pancadas recebeu um agravo, mas não uma afronta, porque para sê-lo havia de ser sustentada. Se o que deu as pauladas, embora à traição, levasse a mão à espada, e a pé quedo fizesse frente ao seu inimigo, então, sim, o espancado ficaria agravado e afrontado conjuntamente; agravado porque lhe tinham batido à falsa fé; afrontado porque o que lhe bateu sustentou o que havia feito, sem retirar, a pé firme. (...)"
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2015-09-21
D. Quixote de la Mancha (vol.II, p.276)
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