Miguel de Cervantes Saavedra D. Quixote de la Mancha (1605) (trad. Aquilino Ribeiro)
"(...) é bom que gostes e mostres bom agrado não só aos autores das peças como aos que as representam. Contribuem para o bem público, pondo-nos a cada passo diante dos olhos um espelho em que se reflectem ao vivo os passos da vida humana. Como imagem do que somos e do que devíamos ser não há melhor. Senão, diz-me: já viste representar uma comédia em que entrem reis, imperadores, pontífices, cavaleiros, damas e personagens de vária ordem? Um faz de rufião, outro de embusteiro, este de mercador, aquele de soldado, tais e tais de simplórios e de namorados lorpas. Desce o pano, vão despir-se nos camarins e ficam todos iguais.
- Vi, sim, senhor. - Pois o mesmo acontece no teatro da vida onde uns fazem de imperadores, outros de pontífices, e de quantos figurantes pode constar uma comédia. Em chegando ao fim, que é quando se acabam os dias, a todos a morte tira as roupas que os diferenciavam e ficam iguais na sepultura. - Bem falado - proferiu Sancho - embora para mim já não fosse novo de todo. Pode comparar-se, se o meu entender não é errado, com o jogo de xadrez. Enquanto dura a partida, cada pedra desempenha o seu papel especial; acabou-se: baralham-se, misturam-se, confundem-se cavalos, bispos, reis, peões, e todos vão de cambulhada para o fundo da bolsa, como a gente para dentro das campas. - Dia a dia te vais fazendo menos peco e mais esperto." |
2015-09-06
D. Quixote de la Mancha (vol.II, p.99)
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