Miguel de Cervantes Saavedra D. Quixote de la Mancha (1605) (trad. Aquilino Ribeiro)
"(...) Mas sou teu amigo e a afeição que te consagro não me consente que te abandone, exposto ao manifesto risco de perder-te. E, para que bem o compreendas, quero que me respondas, Anselmo: não me disseste que tenho de requestar a uma senhora recatada? induzir a uma honesta? subornar a uma desinteresseira? propor-me a uma prudente? Disseste, sim. Pois se tu sabes que tens mulher recatada, honesta, simples, prudente, que mais queres? E se pensas que há-de sair vencedora como sem dúvida há-de sair, que melhores títulos contas tu dar-lhe, que os que agora tem? Porventura ficará sendo ela mais do que o que já é? E uma de duas: ou tu não a tens pelo que dizes, ou tu não sabes o que pedes. Se a não tens pelo que dizes, para que te arriscas a experimentá-la? E neste caso, o que tens a fazer é conduzir-te com ela como merece.
Mas se é tão virtuosa e tão constante como crês, impertinentíssima coisa seria fazer experiência com a mesma evidência, pois uma vez feita, não ficaria ela mais estimada que dantes. E a conclusão a tirar é esta: empreender coisas de que é provável resultar antes dano que benefício é rematada loucura, mormente quando se faz de ânimo frívolo, sem que nada obrigue ou constranja." |
2015-08-07
D. Quixote de la Mancha (vol.I, p.368)
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