2015-02-07

A Obra ao Negro (p.16-17)

Marguerite Yourcenar
L'Oeuvre au Noir (1968)
(trad. António Ramos Rosa, Luísa Neto Jorge e Manuel João Gomes)


"- Tenho dezasseis anos - escusou-se Henrique Maximiliano. - Dentro de quinze, já se poderá ver se por acaso serei igual a Alexandre. Dentro de trinta, saber-se-á se valho ou não o defunto César. Pois irei eu passar uma vida inteira a medir pano numa loja da Rua das Lãs? Trata-se de ser ou não um homem.
- Tenho vinte anos - calculou Zenão. - Se tudo correr pelo melhor, tenho à minha frente cinquenta anos de estudo, antes que este meu crânio se transforme em caveira. Ide procurar heróis e devaneios em Plutarco, irmão Henrique. A questão, para mim, é ser mais do que um homem.
(...)
Calaram-se. A estrada plana, ladeada de choupos, apresentava, à sua frente, um fragmento livre do universo. O aventureiro do poder e o aventureiro do saber caminhavam lado a lado.
- Vede - prosseguiu Zenão. - Para lá desta aldeia, há outras aldeias, para lá desta abadia, outras abadias, para lá desta fortaleza, outras fortalezas. E no interior de cada castelo de ideias, de cada pardieiro de opiniões sobrepostas aos pardieiros de madeira e aos castelos de pedra, a vida empareda os loucos e abre uma fresta aos sábios. (...) E, por toda a parte, vales onde se recolhem os simples, rochas onde se escondem os metais, cada um dos quais simboliza um momento da Grande Obra, engrimanços colocados entre os dentes dos mortos, deuses cada qual com a sua promessa pessoal, multidões em que cada homem se apresenta como centro do universo. Quem pode haver tão insensato que se deixe morrer sem ter dado, pelo menos, uma volta à sua prisão? Como vedes, irmão Henrique, sou na verdade um peregrino. Longo é o caminho, mas eu sou jovem."

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