Marguerite Yourcenar L'Oeuvre au Noir (1968) (trad. António Ramos Rosa, Luísa Neto Jorge e Manuel João Gomes)
"Numa noite de neve, que mais fazia sonhar com leitos aquecidos em quartos bem fechados, uma criada subornada introduziu Messer Alberico na estufa onde Hilzonda esfregava com centeio a longa e crespa cabeleira, que a cobria como se fora um manto. Escondeu o rosto a menina, mas entregou sem luta aos olhos, aos lábios, às mãos do amante, o corpo alvo e limpo como uma amêndoa descascada. O jovem florentino bebeu, nessa noite, na fonte selada, aprisionou os dois cabritinhos gémeos, ensinou àquela boca os jogos e as doçuras do amor. Ao romper da alva, uma Hilzonda enfim conquistada entregou-se inteiramente, e, de manhã, raspando com a ponta da unha o vidro que o gelo embranquecera, nele gravou, com um anel de diamantes, as suas iniciais entrelaçadas com as do amante, deixando assim impressa a sua felicidade nessa substância delgada e transparente, decerto frágil, mas não muito mais do que a carne e o coração."
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2015-02-08
A Obra ao Negro (p.21)
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